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Artigo: O impacto da (in)segurança pública na economia local e qualidade de vida do cidadão soteropolitano

Por João Neto      05 de julho de 2022

Não há como negar que a cidade do Salvador, a capital que muitos dizem ser da música e da alegria, está se tornando a cada dia mais a capital da insegurança, do medo e, consequentemente, do abandono econômico e do desemprego. Isso, devido à falta de atitude, ação, combatividade e, principalmente, a transferência de responsabilidade, o popularmente conhecido: “não é comigo não!”. Muito se ouve que a segurança pública é dever do Estado, e de fato  é, mas não apenas e tão somente da Unidade Federativa, como nos induzem propositalmente, pois o Estado está materializado nos três entes federados: União, estados e municípios. Ademais, não nos esqueçamos do fragmento do texto constitucional: “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.” E, infelizmente, municípios que não assumem essa responsabilidade, arcam com as consequências, e os cidadãos a sentem no bolso, na pele e na vida.     

Engana-se quem pensa que a economia e a segurança não andam interligados. A liberdade de ir e vir é um fundamento básico para o bem-estar da população e seu desenvolvimento socioeconômico. É intuitivo pensar que a falta de segurança prejudica a economia e a forma das pessoas se relacionarem comercialmente. Ninguém quer investir em áreas de conflito e violência, os consumidores fogem e os custos para manutenção dos negócios aumentam, impactando em um ambiente perverso para o empresário, que se vê obrigado a direcionar recursos para a segurança do seu negócio. 

Turistas sofrem com onda de assaltos no centro histórico de Salvador (BA)

Atualmente, virou costume ler e assistir aos jornais e ter notícias de que restaurantes, lanchonetes e qualquer outro estabelecimento foram assaltados por criminosos armados. Em um ambiente que deveria ser de fato um “happy hour”, descontração, de fuga das dificuldades impostas pelo dia a dia, até mesmo de liberdade após quase dois anos de lockdown devido à pandemia do Coronavírus, se torna palco para o medo. Como isso não impacta na economia e na qualidade de vida das pessoas? Cada vez mais as famílias e os círculos de amizades têm temido estar expostos à criminalidade. Esse é o “lockdown da Segurança Pública”. 

Os bairros da Barra e da Pituba, agregando os seus vizinhos Ondina, Rio Vermelho, Itaigara e o nosso Centro Histórico, se tornaram os preferidos dos criminosos. A Barra, inclusive, conhecida como um dos pontos turísticos mais bonitos do Brasil pelas suas praias e arquitetura histórica, vem colecionando arrombamentos, tiroteios, brigas e até mesmo assassinatos. Tudo isso sem distinção de horário, para quem quiser assistir. 

Hamburgueria e loja de açaí são assaltadas em bairro nobre de Salvador; câmeras flagram ações | Bahia | G1

Hamburgueria e loja de açaí são assaltadas em bairro nobre de Salvador

Só nos últimos dois meses, pelo menos dez bares, hamburguerias e restaurantes foram assaltados em Salvador e Região Metropolitana (RMS), como consequência, estabelecimentos são fechados e empregos são perdidos. Aos que resistem, a saída é o aumento do custo operacional com a segurança privada, alternativa paliativa à incompetência do Estado. 

Homem é morto a tiros na praia do Porto da Barra em Salvador — Foto: Eduardo Oliveira/TV Bahia

Homem é morto a tiros na praia do Porto da Barra em Salvador

Foto: Eduardo Oliveira/TV Bahia

Em levantamento realizado no ano de 2017 pela Associação Brasileira de Bares & Restaurantes (Abasel), identificou em Salvador que 82% dos consumidores levam em consideração o fator segurança ao escolher qual bar e restaurante deve frequentar, que 60% julgam que a violência aumentou nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa e que a segurança afetou a frequência de ida a estes estabelecimentos. Em níveis semelhantes, os 76,6% dos empresários opinaram que a violência aumentou e 72,3% relataram que a questão da segurança afetou as vendas em seus estabelecimentos. 

Para entendermos melhor a relevância do tema da segurança na vida das pessoas, podemos nos basear na Teoria da Hierarquia das Necessidades Humanas ou a Pirâmide de Maslow, onde o psicólogo alemão Abraham Harold Maslow define cinco categorias de necessidades humanas em nível de prioridade: fisiológicas, segurança, afeto, estima e as de autorrealização. Esta teoria é representada por uma pirâmide onde na base se encontram as necessidades mais básicas pois estas estão diretamente relacionadas com a sobrevivência. Segundo Maslow, um indivíduo só sente o desejo de satisfazer a necessidade de um próximo estágio se a do nível anterior estiver sanada, portanto, a motivação para realizar estes desejos vem de forma gradual.

O fato é que a violência representa um grande problema econômico, considerando que afeta o preço dos bens e serviços, contribuindo para inibir qualquer evolução de consumo no mercado. Da mesma forma, os governos gastam para manter os seus sistemas de segurança pública e prisional, além de alocar recursos no sistema público de saúde e de assistência social para o pagamento de pensões, licenças médicas e aposentadorias para atender as vítimas de violência.

Contudo, o maior custo da violência diz respeito às perdas prematuras de vidas, devido aos homicídios. Estimativas feitas por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que as perdas do Brasil com a violência chegam anualmente a 6% do Produto Interno Bruto (PIB), ou aproximadamente R$ 373 bilhões, considerando valores de 2016.

Com população estimada em 2.938.92 milhões de habitantes, sendo considerada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a cidade mais populosa da região Nordeste e a 4ª maior capital do país, Salvador, além do comércio de bens e serviços, é movida principalmente pelo setor do Turismo, que recebe anualmente milhões de turistas de outras cidades do país e diversas partes do mundo, ocupando o 5° lugar em relação ao movimento de passageiros no Brasil. Muitos desses passageiros, que nem de passagem retornarão, pois ser assaltado na “capital do axé” não deve ser lá uma experiência agradável de se viver e de se contar, assim tantos outros ao ouvirem os contos, nem de passagem por aqui querem estar. A isto damos o nome de causa e consequência.   

A cidade também sofre com o desgaste da insegurança pública, tornando tenso o dia a dia do soteropolitano. Dados publicados ainda em agosto de 2019 pelo “Atlas da Violência – Retrato dos Municípios Brasileiros 2019”, apontavam Salvador como a quinta capital brasileira mais violenta do país, com uma taxa de homicídios de 63,5 a cada 100 mil habitantes, era um alerta! Sem avanços e tendo a transferência de responsabilidade como lema, o que já era péssimo ficou pior, e segundo dados do 16º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados no dia 28 de junho do corrente ano, Salvador foi alçada ao posto de 2º lugar no ranking de Capital Mais Violenta do Brasil. Coincidentemente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Salvador também ocupa o 2º lugar no ranking das capitais do desemprego com uma taxa de desocupação de 17,5%.  E pelo andar da carruagem, os títulos de capital mais violenta e do desemprego estão logo ali. Coincidência ou consequência? 

A pergunta que fica é: esse “título” que a capital baiana recebeu pode ser reflexo da impossibilidade da cidade de conveniar ou contratar recursos federais para a Segurança Pública? Novamente: seria coincidência ou consequência? 

Salvador, até a presente data, é a única capital no Brasil que não pode receber esses recursos federais para a segurança pública, pois não está em conformidade com o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), pois não possui um conselho, fundo e um plano municipal de segurança pública e defesa social, conforme exige a lei.  A Prefeitura de Salvador também desobedece a Lei Federal 13.022/2014, no que tange a quantidade de efetivo de Guardas Civis Municipais, que deveria ter no mínimo 1.500 GCMs, e o Decreto 9630/2018, que regulamenta a Lei 13.675/2018, do Susp, o que impossibilita a cidade de ter recursos federais para o setor.

Mas, como virar esse jogo no contexto em que vivemos? Se formos observar a Constituição Federal, compreendemos que, para os direitos sociais, o Art. 196 estabelece que:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Igualmente observaremos o Art. 205:

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.”

E então, não menos importante o Art. 144:

“A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.”

Neste foco, a palavra “Estado” insere todas as esferas para a luta no combate à violência e pacificação de nossos convívios sociais, Governo Federal, estadual e municipal podem e devem se integrar cada vez mais para esta conquista. Ainda assim, como estaria posicionado o município neste contexto? Considerando que diversas cidades brasileiras não têm a cultura de tratar a pauta da segurança pública, tornando cada vez mais necessário que os governos municipais estabeleçam seus órgãos de ordem pública e defesa social de forma a atender as necessidades da população no combate à violência de todas as naturezas. 

Ações de patrulhamento preventivo da Guarda Municipal de Salvador

Com base no parágrafo 8º do art. 144 da Constituição Federal que diz que: os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei, nesse caso, vide a Lei 13.022/2014, que dispõe sobre o estatuto geral das Guardas Civis Municipais e estabelece os princípios mínimos de atuação, tais como: a proteção dos direitos humanos fundamentais, preservação da vida, patrulhamento preventivo, compromisso com a evolução social da comunidade e uso progressivo da força.

É crescente o fortalecimento das Guardas Civis Municipais em todo Brasil, justamente como órgão de policiamento comunitário em primeiro nível de contato com a população, visto que é no município que as coisas acontecem. Se um bairro ou uma rua precisa de melhoria, se a saúde e educação estão funcionando adequadamente, se as atividades econômicas estão de acordo com as potencialidades da cidade, ou se as pessoas têm oportunidades de trabalho e renda, tudo fica mais fácil de ser diagnosticado no próprio município, e assim deve acontecer com a segurança pública.

Em algumas cidades do mundo, o problema da segurança foi superado a partir de árduos esforços dos governos municipais, a citar Medellín, na Colômbia, que se tornou cidade-modelo na luta contra a criminalidade. Neste caso, a cidade investiu na coleta e na sistematização de dados sobre o crime e a situação social nas favelas, identificando parceiros e inimigos. 

Nos anos 90, Medellín era o lugar mais violento do mundo, com um índice anual de homicídios que chegou a 381 por 100 mil habitantes, e em 2017, despencou para 22,9. Ou seja, em 15 anos, houve uma redução de 86% na taxa de mortes. A cidade equipou a polícia, investiu em inteligência e ampliou a presença do governo nas comunidades. Nova York, nos Estados Unidos da América (EUA), também presenciou uma queda histórica de seus índices de violência recentemente. A cifra de 30,7 homicídios por 100 mil pessoas registrada na década de 1990 caiu para 3,4 em 2017.

Contudo, as experiências em Medellín e Nova York demonstraram uma série de fatores que podem fortalecer as probabilidades de sucesso e servir de exemplo para outras cidades que ainda penam para vencer a violência, como acontece nas cidades brasileiras. Focar nos municípios e seus problemas específicos pode ser um bom começo.

Neste sentido, fortalecer a cooperação entre os poderes, com a articulação na troca de informações de forma sistematizada e estabelecimento de confiança mútua, o exercício permanente da prevenção a violência com a construção de escolas em locais deficitários em educação, com foco na reversão do mau desempenho e a evasão escolar, além de estabelecimento de parques, complexos esportivos e culturais para a população de baixa renda.

Por fim, mas longe de ser menos importante, é necessário também investir em gestão, inteligência e tecnologia, com investimentos em governança eletrônica, tática e operacional para a troca de informações, bem como um sistema de videomonitoramento integrado em parceria com moradores e estabelecimentos comerciais. 

Outro fator importante, é o robustecimento da identidade institucional do município no tema da segurança pública, como um agente transformador do debate da segurança e o fortalecimento das estruturas de amparo à defesa social e a Guarda Civil Municipal, para validar a atuação do município de forma legítima e incontestável, tais como: a criação do Conselho Municipal de Segurança Pública e Defesa Social, a Implantação e implementação do Plano Municipal de Segurança Pública e Defesa Social, e a Criação de uma Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social, a exemplo do que já existe na grande maioria das cidades que possuem Guardas Civis Municipais e implementação de um Fundo Municipal de Segurança Pública para captação de recursos com foco nos investimentos para a modernização e capacitação da Guarda Civil Municipal.

Destarte, é um fato incontestável que em todos os lugares do mundo onde a queda de braço contra a violência foi vencida, o principal agente da mudança foi o prefeito. Em Salvador não pode ser diferente, o prefeito terá que chamar a responsabilidade de combater o crime. Ainda que tardiamente, é chegada a hora desse dever, a transferência de responsabilidade já não cabe mais. É preciso ser protagonista, pois o papel de coadjuvante tem um preço, e quem paga é a população. MOVAM-SE.   

 

SOBRE O AUTOR

João Neto

É Guarda Civil Municipal de Salvador de 1ª Classe, Instrutor, Palestrante, graduado em Gestão Pública e MBA Executivo em Segurança Privada: Safety e Security. 

 

 

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