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Artigo: O papel dos Municípios na Segurança Pública e a importância das Guardas Civis Municipais com foco no Policiamento Baseado em Evidências

Hoje, segunda-feira, 18 de novembro de 2024, e ainda se discute o papel e a importância dos Municípios na segurança pública e defesa social local. Não é novidade que o Brasil enfrenta desafios crescentes, com o aumento exponencial da violência urbana, a expansão do tráfico de drogas e a complexidade do crime organizado. Nesse contexto, o Governo Federal instituiu através da Lei 13.675/2018, o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), com a finalidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade, destacando que a segurança pública é dever do Estado (poder público), não confundir com Unidade Federativa (UF) e responsabilidade de todos, compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito das competências e atribuições legais de cada um.

Nesse contexto, embora a segurança pública no Brasil seja uma responsabilidade compartilhada, os Municípios desempenham um papel fundamental na gestão da segurança local. As Guardas Civis Municipais (GCMs), por serem o único órgão municipal uniformizado e armado, com previsão constitucional de prover a segurança sistêmica da população, têm o papel de atuar de forma mais direta e personalizada nas demandas de segurança pública e defesa social da comunidade. No entanto, para que essa atuação seja eficaz, é imprescindível que haja uma coordenação eficiente entre os diferentes níveis de governo (municipal, estadual e federal), e que os Municípios desenvolvam uma Política Municipal de Segurança Pública e Defesa Social (PMSPDS) própria e bem estruturada, com a implantação e implementação de um conselho, observatório, fundo e um plano municipal de segurança pública e defesa social, que se integrarão as iniciativas do estado e do governo federal.

O Papel das Guardas Civis Municipais na Segurança Pública

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As Guardas Civis Municipais foram inicialmente criadas com o objetivo de zelar pela segurança dos bens, serviços e instalações públicas do Município. Em stricto sensu, interpretava-se que a atuação das GCMs estava adstrita tão somente à proteção patrimonial de prédios públicos, praças e jardins. No entanto, nas últimas décadas, seu papel se ampliou significativamente, com muitas delas atuando também em atividades de policiamento preventivo comunitário, combate à criminalidade e até mesmo em operações integradas com outros órgãos de segurança pública, como a Polícia Militar e a Polícia Civil (SOUZA, 2015).

A Constituição Federal de 1988, a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) destacam a importância das Guardas Civis Municipais no fortalecimento da segurança pública e defesa social dos Municípios, prevendo a possibilidade de atuação das GCMs em funções de segurança pública, atuando, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais. Além disso, a Lei nº 13.022, de 2014, que cria o Estatuto Geral das Guardas Municipais, traz artigos, parágrafos e incisos que ampliam suas atribuições, permitindo exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignitários, dentre outras competências que podem ser observadas na referida Lei.

É inegável que as Guardas Civis Municipais têm se mostrado fundamentais na melhoria da segurança nas cidades, especialmente no policiamento de proximidade e nas ações de prevenção primária à violência, em conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade. Mas não basta o Município criar e aparelhar sua GCM, é preciso dotá-la de uma gestão institucional, profissional e competente, que adote e implemente abordagens e modelos de policiamento mais eficientes, orientados para os problemas e baseados em evidências, com foco na análise de dados; BIs (Business Intelligence) que compreende a coleta, o processamento e a transformação de dados brutos em informações valiosas e compreensíveis; KPIs (Key Performance Indicator ou Indicador-Chave de Performance), trata-se de um valor mensurável que se relaciona com metas, objetivos e estratégias específicas que ajudam a impulsionar o sucesso do desempenho; e na eficácia do planejamento e das estratégias adotadas.

Dentre os modelos mais adotados, a saber: O Policiamento por Ocorrência (respostas ao 153); Policiamento Preventivo Comunitário; e o Policiamento Orientado para o Problema, este último é claramente a principal fonte de Policiamento Baseado em Evidências. Os escritos de Herman Goldstein (1979, 1990), bem como o modelo SARA de John Eck e William Spelman (1987), enfatizam claramente a avaliação das respostas de resolução de problemas como parte fundamental do processo. No entanto, não há uma declaração clara sobre o uso de evidências científicas na seleção de estratégias para responder a problemas ou no monitoramento da implementação e resultados dessas estratégias (SHERMAN, 1991). Nesse aspecto, o Policiamento Baseado em Evidências (PBE) é uma dessas abordagens que tem ganhado destaque, pois alia a prática policial à análise rigorosa de dados e informações para otimizar as ações de segurança pública nas cidades.

Policiamento Baseado em Evidências

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O policiamento baseado em evidências (PBE) é uma abordagem estratégica que visa a utilização de dados empíricos e análises científicas para planejar, implementar e avaliar as ações policiais. Essa metodologia busca garantir que as políticas de segurança pública sejam fundamentadas em informações concretas, em vez de práticas baseadas apenas em intuições ou experiências passadas (KLEIN, 2015). Nesse contexto, as Guardas Civis Municipais desempenham um papel importante na implementação do PBE, pois além de atuarem em conjunto com os demais órgãos municipais em ações de prevenção à violência, estão mais próximas das comunidades e podem gerar dados valiosos sobre padrões de criminalidade e as necessidades locais.

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Estudos realizados por Braga et al. (2018) indicam que o policiamento baseado em evidências tem se mostrado eficiente na redução da criminalidade em diversas cidades ao redor do mundo. Um exemplo disso é o uso de tecnologias como câmeras de monitoramento e sistemas de georreferenciamento, que ajudam as Guardas Civis Municipais a identificar hotspots de crimes e áreas de maior vulnerabilidade. Com base nessas informações, as GCMs podem direcionar suas patrulhas para locais específicos, aumentando a eficiência e a eficácia de suas ações (MARTIN, 2017).

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Esse modelo de policiamento se sustenta em quatro pilares principais, conforme descrito por Braga et al. (2014): coleta e análise de dados criminais, avaliação contínua das práticas adotadas, desenvolvimento de políticas públicas fundamentadas em resultados e uso de tecnologias de gestão de informações. O PBE permite que as GCMs sejam mais inteligentes, estratégicas e eficientes em suas ações e operações, pois possibilita a identificação de padrões criminais e áreas de maior risco, além de otimizar os recursos de forma mais eficaz.

Desafios, perspectivas e Potencial das Guardas Civis Municipais

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Embora essenciais para a segurança e o bem-estar da população, as Guardas Civis Municipais ainda sofrem com a falta de estrutura e investimentos adequados. Além disso, a falta de reconhecimento institucional, somada ao desconhecimento dos gestores públicos sobre o papel e as responsabilidades das GCMs, limita sua atuação e impede o pleno desenvolvimento dessas forças.

Em que pese a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) tenham sido instituídos desde o ano de 2018, e seja clara nesse aspecto, alguns gestores públicos locais insistem em transferir sua parcela de responsabilidade na segurança pública e defesa social, integralmente para a unidade federativa (UF) a qual seu Município pertence. Some-se a isso: a falta de captação de recursos federais junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), através de seus programas e editais; a escassez de efetivo; a carência de formação especializada; a ausência de integração entre as forças de segurança; e a falta de know-how e conhecimento especializado de alguns gestores institucionais, obstáculos esses que impedem as GCMs de atuarem plenamente, prejudicando a implementação de um policiamento preventivo e comunitário eficaz, o que, por sua vez, compromete a segurança pública e o bem-estar da população.

Ainda que se deparem em parte ou na totalidade com esses e outros obstáculos, as Guardas Civis Municipais têm demonstrado um grande potencial para atuar com eficiência nos bens de uso comuns do Município e em bairros e áreas de alta vulnerabilidade e incidência de crimes contra o patrimônio e contra a vida. A capacidade de realizar um policiamento de proximidade permite uma abordagem mais humanizada e eficaz na resolução de conflitos locais, criando um ambiente de maior segurança e cooperação entre a população e os órgãos de segurança pública (KLEIN, 2015).

Nesse cenário, por conta de suas características, as Guardas Civis Municipais desempenham um papel essencial na segurança pública e defesa social local, especialmente no contexto urbano, onde a violência e a criminalidade exigem respostas assertivas, rápidas e eficazes. Sua proximidade com a comunidade e o potencial ainda inexplorado por algumas instituições de aplicar estratégias de PBE, são fatores que ampliam sua relevância na construção de uma cidade mais segura.

Conclui-se, portanto, que apesar dos desafios enfrentados, a profissionalização institucional e a implementação de um Policiamento Orientado ao Problema e Baseado em Evidências é uma estratégia promissora para melhorar a segurança pública e defesa social local. Ao adotar uma abordagem científica e orientada por dados, as GCMs podem otimizar seus recursos humanos, materiais, bem como suas operações e ações, concentrando esforços nas áreas e situações mais críticas, contribuindo significativamente para a redução da criminalidade urbana e para o fortalecimento da segurança pública e defesa social nas cidades brasileiras.


Sobre o autor

João Neto

É Guarda Civil Municipal Classe Distinta de Salvador, Instrutor, Palestrante, graduado em Gestão Pública e MBA Executivo em Segurança Privada: Safety e Security com especializações em Contra Espionagem industrial e empresarial, Análise Estruturada e Planejamento Estratégico.


Referências

BRAGA, Anthony; DOUCETTE, Joel; WILKINS, Jordan. The effectiveness of evidence-based policing: a review of the literature. Journal of Criminal Justice, v. 46, p. 72-81, 2018.

CASTRO, José. Segurança pública e as guardas municipais: desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Política e Segurança, v. 15, n. 2, p. 88-105, 2016.

ECK, John, and SPELMAN, William. Problemsolving: Problem-oriented policing in Newport News. Washington, D.C.: Police Executive Research Forum, 1987.

GOLDSTEIN, Herman. Improving policing: A problemoriented approach. Crime and Delinquency 25: 236–58, 1970.

KLEIN, Roberta. Policiamento comunitário e a segurança pública no Brasil: desafios e avanços. São Paulo: Editora Unesp, 2015.

MARTIN, Jeffrey. The future of policing: evidence-based practices in modern security. Cambridge: Cambridge University Press, 2017.

SHERMAN, Lawrence W. Experiments in police discretion: Scientific boon or dangerous knowledge? Law and Contemporary Problems 47, no. 4: 61– 81, 1984.

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