Municipalização da Segurança

Artigo: A municipalização da Segurança Pública

A Municipalização da Segurança Pública. EDUARDO BETTINI

“O próprio modelo de polícia adotado no Brasil pouco evoluiu desde que foram forjados os primeiros princípios da polícia moderna (1829)”

A centralização do poder e a excessiva burocracia tem se mostrado um dos grandes problemas a serem vencidos pela segurança pública brasileira. O próprio modelo de polícia adotado no Brasil pouco evoluiu desde que foram forjados os primeiros princípios da polícia moderna (1829), resultantes da reflexão e do esforço de um grupo liderado pelo político inglês Robert Peels, durante as duas primeiras décadas do século 19. Permanecemos à margem do sistema mundial que instituiu e preconiza tais fundamentos.

A busca de soluções na “terra de fadas”

Paradoxalmente, quase nada se discute a respeito destes fatores limitantes quando abordamos o problema Segurança Pública. A este respeito, buscam-se soluções extremamente rebuscadas, onerosas e complicadas para problemas que, se não são criados, ao menos são alimentados por um modelo ineficiente de polícia em sua esmagadora maioria. Desta maneira nos tornamos impotentes para ousarmos e modificarmos o que não tem dado certo. Nos dizeres de Hannah Arendt: 

É como se tivéssemos caído sob o encantamento de uma terra de todas que nos permite fazer o impossível sob a condição de que percamos a capacidade de fazer o possível que nos permite realizar façanhas fantasticamente extraordinárias sob a condição de não mais sermos capazes de atender adequadamente as nossas realidades cotidianas.

Evoluímos em alguns pontos

Recentemente, após o avanço que consistiu no reconhecimento das polícias penais (inciso VI), existe um derradeiro passo a ser dado na consolidação dos órgãos presentes no artigo 144 da Constituição Federal, o dispositivo legal que elenca os órgãos que compõem a Segurança Pública brasileira. Trata-se do necessário reconhecimento das Guardas Municipais como órgãos policiais.

Além de proporcionar a devida segurança jurídica a profissionais que vem desenvolvendo um excelente serviço no policiamento preventivo ostensivo, seria também uma grande oportunidade de se criar algo realmente novo no contexto da segurança pública brasileira. Uma instituição de polícia fundada em princípios de meritocracia e com uma carreira estruturada nos moldes do que há de mais eficiente mundo afora.


13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais)

Neste sentido, algumas propostas vêm ganhando força no caminho do reconhecimento da natureza policial das guardas municipais, entre elas, um destaque à PEC 32/2020, que tratou da reforma administrativa. Atualmente, as Guardas Municipais constam no parágrafo 8º do referido artigo: “os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Trata-se, portanto, de norma constitucional de eficácia limitada, dependendo, portanto, de ato normativo municipal.

Além da necessária inclusão como órgão efetivamente policial, é preciso que seja aperfeiçoada a Lei 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), proporcionando maior segurança jurídica, condições de trabalho e a devida valorização profissional dos quadros de pessoal. Atualmente as Guardas Municipais possuem inegável relevância na segurança pública, desenvolvendo e amplificando no País o conceito de policiamento comunitário.

Estado centralizador e “Brasiliocêntrico

Muitos dos problemas que não são resolvidos pelo Estado e sequer são conhecidos pela União, são suportados pelo Município, a despeito da desigual distribuição dos tributos entre os três entes, onde aproximadamente 70% ficam com a União, 25% com os Estados e 5% com os Municípios (Bragança, 2017. p. 97). Neste contexto, os prefeitos são relegados a uma condição análoga a de síndicos pagadores de faturas e boletos e os Municípios, sobretudo os menores, sofrem com pouca margem e recursos para lidarem e resolverem as questões locais. Paradoxalmente, é justamente a administração municipal que está mais próxima da realidade dos contribuintes e que melhor conhece os problemas que se apresentam. Convencionamos chamar este modelo pernóstico e centralizador de “brasiliocêntrico“. Nele, políticos e gestores esbanjam criatividade para resolver problemas inseridos em realidades tão desconhecidas quanto incompreendidas sob a perspectiva de quem está em Brasília. Afinal de contas, é cómodo opinar sobre a geometria do nó quando é o outro que está no cadafalso.


Por que fortalecer a segurança pública municipal? Neste sentido, o fortalecimento da segurança pública municipal é desejável por quatro grandes motivos. O primeiro é que o País tem a oportunidade de testar um modelo de polícia realmente novo e capaz de impactar positivamente a segurança pública. Com a valorização do policial municipal, por meio da adoção de princípios modernos de gestão e da tão desejada estrutura de ascensão profissional meritocrática, criaríamos uma instituição forte e com integrantes imbuídos de senso de propósito. Neste tipo de ambiente o Individualismo tende a desaparecer, dando lugar ao vínculo entre aqueles que compartilham as agruras e as alegrias da mesma trincheira.

O segundo motivo é que a proximidade da polícia municipal com a sociedade garante a perpetuação do conhecimento, com a permanência de uma memória sobre o local, seus cidadãos e os criminosos que ali atuam. A capacidade de prevenção permanente e assistência ininterrupta ao cidadão é mais um ingrediente que pode tornar a atuação das polícias municipais um “divisor de águas”, justamente quando “o vigor e a resistência de nossas instituições são insidiosamente destruídos, escoando gota após gota, por assim dizer”.

O terceiro motivo é que a efetivação de uma polícia municipal tem o condão de liberar efetivo das polícias civil e militar (sobretudo desta), de atividades de menor complexidade, como o patrulhamento ostensivo ordinário, otimizando o emprego dos recursos das polícias estaduais em ações prioritárias. Esta possibilidade influencia diretamente o tipo de policiamento, modificando a instigação das instituições, de reativa, para proativa (Bayley. p. 142). Ou seja, diminuiria a proporção de tempo de trabalho sujeito à orientação do público (instigação reativa) e aumentaria a capacidade de trabalhar de acordo com a orientação do Estado (instigação proativa). Significa dizer que o trabalho das polícias municipais liberaria efetivo e recursos das demais polícias estaduais para ações prioritárias na execução tanto das políticas públicas de segurança como das políticas de segurança pública.

O quarto e último motivo, em breve análise teleológica, é a Lei 13.675/2018 que institui o Sistema Único de Segurança Pública SUSP, a Política Nacional de Segurança Pública – PNSP e disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública brasileira. O dispositivo legal estabelece no seu artigo 1 que os objetivos da Lei deverão ser alcançados por meio de uma atuação coordenada, cooperativa, sistêmica e integrada entre os órgãos de segurança pública e defesa social da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Subentende-se, portanto, que o Município pode e deve atuar efetivamente, em ações de segurança pública através de seu órgão responsável.

Todos nós vivemos em um Município, com exceção da população que habita o Distrito Federal. Portanto, de modo geral, os problemas que a nossa sociedade enfrenta se apresentam a nível de município. E no município também que eles precisam ser solucionados, preferencialmente. Neste sentido as Guardas Municipais foram criadas e vem se mostrando uma alternativa viável na melhoria da qualidade de vida das populações que dispõem desse serviço. Entretanto, a despeito de receberem as incumbências, ou seja, os deveres de atuarem no contexto da segurança pública, não foi ofertado, para nossos profissionais, homens e mulheres, os direitos que garantam sua segurança pessoal e jurídica em caso de atuação. Da mesma forma, os poderes que recebem deixam lacunas que confundem e enfraquecem a sua capacidade . Para Michael Sandel:

Para saber se uma sociedade é justa, basta perguntar como ela distribui as coisas que valoriza – renda e riqueza. deveres e direitos, poderes e oportunidades, cargos e honrarias. Uma sociedade justa distribui esses bens da maneira correta: ela dá a cada indivíduo o que lhe é devido.

Nos parece, portanto, que não estamos sendo justos com nossas Guardas Municipais.

Lealdade e Destemor!

Eduardo Bettini  – autor do best seller “a retomada do complexo do alemão” Operações Especiais BOPE/RJ

@betinioficial

Disponível do site: https://revistaopes.com.br/ 

Primeiro Inspetor Geral de Carreira da Guarda Civil Municipal de Salvador (João Neto) e Eduardo Betini na W2C 2021.

3 comentários sobre “Artigo: A municipalização da Segurança Pública

  • Mexer com corporações sempre é muito difícil e me parece que nos dias atuais está ainda mais difícil.
    Não massa crítica para uma profunda reforma da polícia porém só isso não diminuirá a sociedade violenta onde vive o brasileiro.
    Então a onde está o fio da miada?
    O Prefeito da Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro César Maia patrocinou um Curso Ampliado sobre Segurança Pública, disponível na ESG Escola Superior de Guerra.

    Está na hora do Atual Prefeito Eduardo Paes que provavelmente será reeleito em 2024 investir na direção ↗️ da Municipalização da Polícia na Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro, poderá ser pioneira essa experiência DLIS Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável no Brasil.

    E com essa experiência DLIS poderá o Congresso Nacional por a matéria em discussão junto com a Reforma Administrativa.

    Mais adiante a reforma politica partidária.

    Sonhar não paga impostos.

    http://www.brasil.gov.br

    http://www.rj.gov.br

    http://www.rio.rj.gov.br

    http://www.paraty.rj.gov.br

    Em tempo: Um trabalho em direção de Cidades Inteligentes com lares dentro de casas com qualidade na minha opinião é um fator que precisa ser vencido.

    Para isso temos o Estatuto das Cidades.

    Resposta
  • É inadimicivel que desde de 1829 tenhamos evoluído tão pouco em termos de segurança pública, não há sinais mais claro que alguma coisa tem que ser feita, e a exemplos de países mais evoluídos fica claro que a municipalização da segurança pública é a saída mais apropriada.

    Resposta
  • As guardas Municipais tem tudo para dar maior segurança a população do município, depende muito da boa vontade dos gestores municipais.

    Resposta

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