Artigo – Profissão Policial: Culpado, até que se Prove o Contrário
Exercer a profissão em carreiras policiais no Brasil pode ser algo de orgulho e vocação para uns, ou uma experiência de grande frustração e decepção para outros. Quem é da área ou labuta para passar nos concursos das carreiras policiais, com certeza já ouviu falar na seguintes frases: “se quiser reconhecimento e bons salários, nem venha”; “se for pelo salário, melhor fazer outro concurso” e por aí vai… Essa percepção da realidade de quem exerce a profissão por vocação ou por parte dos que se aventuram nos concursos em busca de estabilidade profissional, diz muito sobre a profissão mais vigiada, julgada e punida no Brasil.
Para além dos baixos salários e falta de reconhecimento profissional, este artigo também pretende abordar os efeitos da “vigilância social excessiva” destacando os desafios impostos pela falta de respaldo jurídico, condições de trabalho, a carência de apoio institucional e psicológico, e a importância da ampla defesa e do contraditório no contexto das críticas e julgamentos sociais direcionados aos policiais, enquanto indivíduos, mas que, quando difusos e intencionalmente generalizadas, impactam direta e indiretamente na atuação dos policiais e das polícias no Brasil.
A Vigilância Social sobre a Atividade Policial
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No Brasil, a atividade policial está constantemente sob o escrutínio da sociedade, da imprensa e das instituições. Em Vigiar e Punir, obra do filósofo francês Michel Foucault, publicada em 1975, é abordada a relação entre disciplina e poder no mundo moderno. Foucault analisou como as técnicas de disciplina e vigilância se espalharam pela sociedade ao longo do século XVIII e XIX. Ele defende que o poder disciplinar age sobre o corpo e o trabalho humano, e que a vigilância é fundamental para o exercício do poder moderno.
Entendemos que o processo de vigilância social é parte de um esforço legítimo para garantir a responsabilização dos agentes públicos, e não poderia ser diferente com os agentes de segurança, mas, muitas vezes, ele se desvia para uma fiscalização oblíqua, seguida imediatamente de julgamentos parciais, precipitados e enviesados. A Grande Mídia, ou boa parte dela, em particular, desempenha um papel crucial na construção da imagem da polícia perante o público, e por vezes, ao noticiar excessos ou erros cometidos por policiais, o faz emitindo julgamentos, sem análises aprofundadas dos fatos, desconsiderando contextos, motivos, fatos ou circunstâncias das ocorrências, e ocasionalmente, omite ou minimiza as dificuldades e os desafios enfrentados pelos agentes. Há que se ter mais curiosidade investigativa e menos prejulgamento.
Embora a sociedade tenha o direito de fiscalizar a atuação policial, a constante exposição negativa, por vezes fruto de um viés de confirmação preestabelecido e o julgamento apressado e “sumário” dos policiais, podem prejudicar a credibilidade e a efetividade das corporações. Em muitos casos, a cobertura e o julgamento da mídia sobre eventos envolvendo a polícia, ocorre antes mesmo da investigação completa, o que gera um julgamento precipitado. Esse comportamento frequentemente resulta em uma percepção de impunidade entre criminosos, bem como uma desconfiança generalizada da população em relação aos policiais.
O Paradoxo da Vigilância Excessiva
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É importante destacar que, a fiscalização das atividades policiais pode e deve ser feita, mas de maneira equilibrada, respeitando os direitos dos policiais e reconhecendo as dificuldades enfrentadas no cotidiano das operações de Segurança Pública. No entanto, quando a vigilância social é excessiva e ultrapassa os limites, ela cria um ambiente de insegurança para os próprios agentes, que se tornam excessivamente cautelosos, temerosos de terem suas ações exibidas de forma descontextualizadas e expostas ao julgamento público. Esse excesso de vigilância e controle prejudica a confiança dos policiais em sua própria atuação e pode, paradoxalmente, levar à letargia, omissão ou até uma paralisação das ações de segurança.
A preocupação excessiva com a vigilância e o julgamento das ações policiais pelas instituições e por parte da Grande Mídia pode comprometer sobremaneira a efetividade das operações de Segurança Pública. O medo de ser responsabilizado de forma precipitada, e sem respaldo institucional, leva muitos policiais a se sentirem inseguros e até paralisados, o que, por sua vez, afeta a qualidade das ações, operações e, consequentemente, a segurança das comunidades e dos próprios policiais.
Falta de Respaldo Jurídico
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Outro ponto crítico relacionado à vigilância social e midiática excessiva sobre a atividade policial, é a falta de respaldo jurídico adequado para os agentes de Segurança Pública. No Brasil, muitas vezes os policiais são julgados e tratados como culpados antecipadamente em situações de confronto com criminosos, sendo processados e até mesmo presos enquanto aguardam o julgamento, mesmo quando suas ações estão dentro dos parâmetros legais. A legislação brasileira, em muitos casos, não oferece uma proteção efetiva aos policiais em situações de risco, especialmente no contexto de enfrentamento à guerra irregular urbana e de combate ao tráfico de drogas.
Essa falta de respaldo jurídico leva a um cenário de insegurança para os policiais, que se veem desamparados e expostos a processos judiciais e à perda de seu emprego e reputação, mesmo quando estão apenas cumprindo suas funções. A ausência de uma estrutura jurídica que proteja adequadamente os agentes da lei, compromete a confiança deles no sistema judicial e agrava o clima de desconfiança mútua entre a polícia e a sociedade.
A Importância da Ampla Defesa e do Contraditório
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Um dos maiores desafios enfrentados pelos policiais no Brasil é a falta de uma proteção jurídica adequada. Quando estão envolvidos em confrontos ou situações de risco, muitos policiais se vêem submetidos a um processo de “julgamento sumário” por parte da Grande Mídia e consequentemente pela opinião pública, antes mesmo de qualquer investigação ou processo legal ser conduzido. Essa situação ocorre especialmente em casos da utilização de níveis de força necessários para contenção, imobilização e condução de indivíduos que oferecem resistência às abordagens e, principalmente em situações de utilização de força letal por parte do policial, onde a narrativa midiática pode influenciar o julgamento antes mesmo do devido processo legal.
Em uma sociedade democrática, regida por um Estado Democrático de Direito, os policiais, assim como qualquer outro cidadão, têm direito à ampla defesa e ao contraditório, conforme assegurado pela Constituição Federal de 1988. O direito à ampla defesa implica que o policial tenha a oportunidade de se defender de acusações, seja por meio de uma defesa técnica realizada por advogados ou por meio da apresentação de provas que contestem as alegações feitas contra ele. O contraditório, por sua vez, garante que a parte acusadora tenha que enfrentar as alegações da defesa, permitindo uma análise mais justa, imparcial e equilibrada dos fatos, assim preconiza a nossa legislação.
No entanto, o prejulgamento de policiais por parte da Grande Mídia e pelo clamor social, muitas vezes, ignora esses direitos fundamentais, criando um ambiente favorável à injustiça. Essa pressão externa pode gerar consequências irreparáveis para a carreira e a reputação de um policial, prejudicando sua imagem, sua saúde mental e sua integridade profissional. A defesa da dignidade e dos direitos dos policiais é necessária e essencial para a manutenção da justiça e do Estado de Direito, e deve ser uma prioridade no contexto da Segurança Pública.
Baixos Salários e Condições de Trabalho
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Além da vigilância social excessiva, julgamento precipitado e da falta de respaldo jurídico, boa parte dos policiais brasileiros enfrentam condições de trabalho precárias, com baixos salários, falta de recursos adequados e infraestrutura insuficiente. Em sua grande maioria, os policiais frequentemente trabalham sob condições adversas, com equipamentos inadequados e jornadas extenuantes. Essa situação agrava a desvalorização da profissão e afeta diretamente a dignidade humana do policial e a qualidade do serviço prestado à sociedade.
A falta de reconhecimento e os baixos salários são fatores determinantes na desmotivação da classe policial, impactando direta e indiretamente na qualidade do trabalho e no comprometimento com a missão de garantir a ordem e a segurança pública. Além disso, a falta de apoio institucional e de programas de capacitação continuada dificulta a melhoria das condições de trabalho e a profissionalização das corporações.
Falta de Suporte Institucional e Cuidado Psicológico
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Outro aspecto fundamental e crítico na atuação dos policiais no Brasil é a falta de suporte institucional, incluindo a ausência de cuidados psicológicos adequados. O trabalho policial é marcado pela constante exposição à violência e ao estresse físico e psicológico, o que pode levar ao desenvolvimento de distúrbios físicos, psicológicos e sociais, como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), síndrome da adaptação geral (SAG), ansiedade e depressão. No entanto, muitas corporações não possuem programas eficientes de apoio psicológico, o que pode resultar em sérios problemas de saúde mental para os policiais.
A falta de programas eficazes e a ausência de apoio psicológico não apenas afeta a saúde dos policiais, mas também compromete sua capacidade de tomar decisões acertadas e de lidar com situações de pressão e estresse. A falta de cuidado com o bem-estar dos policiais afeta diretamente a eficácia das operações policiais e contribui para um clima de desconfiança entre os agentes e a sociedade.
Conclusão
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A vigilância social sobre a atividade policial no Brasil, embora importante para garantir direitos, a transparência e o combate a abusos de autoridade, quando enviesada e excessiva, muitas vezes se transforma em um processo de “julgamento sumário” que desconsidera as condições adversas enfrentadas pelos policiais. A mídia e o clamor social, ao formarem opiniões precipitadas, sem a devida curiosidade investigativa, interferem no direito fundamental dos policiais à ampla defesa e ao contraditório, essenciais para garantir o devido processo legal. Além disso, os baixos salários, a falta de infraestrutura adequada, o apoio psicológico insuficiente e o respaldo jurídico fragilizado, geram um cenário de desmotivação que afetam diretamente a eficiência e a moral dos agentes provocando hesitação e insegurança para esse profissional, o que, por sua vez, compromete a Segurança Pública como um todo.
É necessário que o Estado e a sociedade brasileira adotem uma abordagem justa e equilibrada, que respeite os direitos dos policiais e garanta condições dignas de trabalho, ao mesmo tempo em que assegura a fiscalização e a transparência necessária na atuação policial. Somente assim será possível promover uma polícia mais humana, eficiente, justa, motivada e respeitada pela sociedade.
Desse modo e por hora, concluo: SEJAM CURIOSOS, NÃO JULGADORES!
Sobre o autor:
João Neto |
É Guarda Civil Municipal Classe Distinta de Salvador, (Primeiro Inspetor-Geral de Carreira da GCM de Salvador), Instrutor, Palestrante, Graduado em Gestão Pública e MBA Executivo em Segurança Privada: Safety e Security com especializações em Contra Espionagem industrial e empresarial, Análise Estruturada e Planejamento Estratégico.
Referências
ALMEIDA, Maria Teresa. A violência policial no Brasil: reflexões sobre a atuação da polícia e os direitos humanos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2018.
ANDRADE, José Carlos. A precarização do trabalho policial no Brasil: causas e consequências. São Paulo: Editora Unesp, 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 nov. 2024.
MENDES, Diogo. Vigilância social e segurança pública: a relação entre polícia e sociedade. Curitiba: Editora UFPR, 2022.
SOUZA, Carlos Roberto. Os desafios do policiamento no Brasil: críticas e propostas para uma segurança pública eficiente. Brasília: Editora Jurídica, 2019.
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