Municipalização da Segurança

A Municipalização da Segurança Pública no Brasil

A Municipalização da Segurança Pública no Brasil.

O presente artigo tem por objetivo fornecer um estudo descritivo, teórico (e empírico) acerca da municipalização da segurança pública no Brasil.

Como tema recorrente de grandes discussões, a municipalização da segurança pública está relacionada a diversos projetos de lei que visam a desmilitarização das polícias militares, como no caso da última Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 51/2013) de autoria do Senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que trabalha com a definição constitucional de polícia como instituição de natureza civil, a qual se destina a proteger os direitos dos cidadãos e preservar a ordem pública democrática através do uso proporcional e comedido da força. De acordo com a PEC nº 51/2013, apenas a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal passariam a apresentar no art. 144 da Constituição Federal de 1988, deixando de constar a Polícia Militar e os Bombeiros Militares.

Ainda na Constituição Federal de 1988, no art. 143-A, expressa que o Estado, com o intuito de promover segurança pública, tem o dever de organizar polícias como órgãos de natureza civil. Com a função de assegurar a garantia dos direitos do cidadão, poderão recorrer ao uso comedido da força, segundo proporção e razão, atuando ostensiva e preventivamente, investigando com a finalidade de realizar persecução criminal.

A valorização dos municípios na provisão da segurança pública e a inclusão entre os entes responsáveis pode, a depender de decisão tomada no âmbito estadual, instituir um policiamento em nível local, aos moldes de países como os Estados Unidos, que auxilia na manutenção da segurança comunitária através da participação da sociedade civil organizada na comunidade, a qual consegue, por meio deste modelo, interagir com os serviços municipais com maior fluidez ao colocar em pauta seus problemas relacionados à manutenção da ordem pública.

Com a aprovação do Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei nº 13.022/14), a efetividade da participação comunitária quanto à escolha de líderes em segurança pública tornou-se realidade, antecipando a PEC nº 51/2013, que lhe deu origem, e estendendo o poder de polícia às guardas municipais, inclusive no porte e manuseio de arma de fogo e a atribuição que anteriormente era de competência exclusiva da polícia militar, do patrulhamento preventivo e ostensivo fardado.

Segundo o art. 4º da Lei nº 13.022/14, está entre as competências da Guarda Civil Metropolitana:

atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais e interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de problemas e projetos locais voltados à melhoria das condições de segurança das comunidades.

Este dispositivo atribui a notoriedade e ampliação do papel das guardas municipais, colaborando com a formulação de políticas públicas, estratégias e gestão de segurança pública em seus municípios, subordinada diretamente ao chefe do executivo municipal. Somando estes fatores, é perceptível que, desde o início dos anos 90, existe um processo de descentralização e reestruturação da segurança pública, tendo a aprovação da Lei do Estatuto Geral das Guardas Municipais como maior exemplo e o primeiro passo rumo a uma nova conjuntura de transformações.

Mesmo que a PEC nº 51/2013 não venha a ser aprovada, ela gerará alguns efeitos colaterais, deixando como incógnita qual será o papel das Polícias Militares neste novo modelo e conceito de ordem pública com “amplitude democrática”, e como os legisladores em conjunto com a sociedade civil realizarão as formulações necessárias para superar esse novo desafio.

No Brasil, o modelo regimentado da Segurança Pública pleiteia a níveis de governos estaduais no que tange a responsabilidade predominante, estruturados e gerenciados quanto à atuação das polícias civil e militar, do Poder Judiciário estadual, Ministério Público e sistema prisional. Entretanto, com o constante crescimento da violência e criminalidade, vinculadas à diminuição do sentimento de segurança e às dificuldades dos governos estadual e federal para atender objetivamente as demandas de segurança da sociedade civil, há colaboração para o surgimento e adoção de novas medidas preventivas.

Com a tendência de adotar essas medidas preventivas em segurança, houve uma junção dos governos municipais e sociedade civil organizada para a implementação de políticas locais de prevenção e combate a violência em seus diversos âmbitos de manifestação. Os governos municipais começaram a atuar em segurança pública a partir da demanda social, que solicita ações com maior efetividade no combate à violência e à criminalidade e não diferencia a responsabilidade dos diferentes níveis de governo quanto à administração pública em segurança.

É nos municípios que ocorrem incidentes e situações que envolvem os cidadãos e, por isso, é neste mesmo âmbito que se sente que os governos têm um vínculo maior com a população, devido à proximidade de contato. Assim, surge o município como um novo ator na área de segurança pública, principalmente com demandas que necessitam de uma solução direta no combate à violência e criminalidade. Estas ações são implementadas pela articulação entre órgãos do Município, organizações não governamentais e entidades comunitárias, buscando alternativas para a formulação e implementação de estratégias que viabilizam a fluidez na participação dos processos da segurança comunitária.

Alguns municípios recebem incentivos do governo federal a notar a necessidade e possibilidade de atuar no combate e prevenção da violência e criminalidade, apresentando experiências em geral por através de projetos contemplados por aspectos do diagnóstico sobre a realidade local, um plano de ação com as prioridades estabelecidas, as identificações de programas que sirvam de modelo, o treinamento e o aperfeiçoamento de guardas, polícias, organizações não governamentais e demais atores da sociedade civil organizada.

Com a tendência de presença cada vez mais constante dos governos municipais no combate e prevenção à violência e criminalidade, surge uma nova demanda relacionada ao monitoramento e avaliação dos métodos implementados para auxiliar na condução de resultados mais efetivos sobre as taxas de violência e colaborando para ampliar a percepção pública a respeito deste problema que acarreta cada vez mais os municípios que estão em constante processo de urbanização.

De acordo com Dias Neto (2005, p. 45), o modelo de administração pública característico da Modernidade passa por um momento de mudanças, questionamentos e de reforma. Tal modelo fundamenta-se na centralização e hierarquização das estruturas decisórias e na regulamentação capilar dos sistemas estatais na prestação de serviços no que se refere à garantia de qualidade e consistência da ação governamental e à neutralização dos riscos de manipulação administrativa por interesses econômicos, corporativos ou eleitorais.

Para Dias Neto (2005, p. 47), quanto à questão da reforma do Estado, a solução seria o conceito da descentralização como chave, com a transferência de recursos e competências dos governos centrais aos locais, ou seja, do executivo para o legislativo no plano interestatal e do Estado para as organizações de mercado e sociedade civil no plano extra-estatal. Não existe uma única proposta ou modelo de reforma de Estado mesmo a tendo a presente ideia de descentralização do poder em quase todos os seus vetores, sendo estes vetores classificados da forma administrativa, baseando na transferência de responsabilidades e competências institucionais e operacionais do Estado central para o periférico, da vertente econômica, a qual está associada a conceitos de “desregulamentação” e “privatização” e de forma prioritária ao estímulo à transferência de recursos, funções e autoridades do setor público para o privado e a vertente política, que se fundamenta na reforma dos processos de decisão do Estado, buscando a democratização e explorando a participação direta da sociedade no planejamento de políticas públicas.

No início das discussões de descentralização da Segurança Pública nos anos de 1990, o tema era discutido apenas como de responsabilidade do sistema de justiça criminal (Kahn e Zanetic, 2006), com o envolvimento de policiais, do sistema de justiça e de execução penal. Porém, nos dias atuais, o modelo de reação ao delito não atende às demandas da sociedade quanto a questão de segurança. Existe claramente uma crise na ausência de eficácia no sistema de justiça criminal na falta de informação como pesquisas sobre vitimização, impunidade, corrupção policial, ineficácia da pena de prisão, o sucateamento do sistema penitenciário, entre outros fatores (Lemgruber, 2003), sendo a segurança privada apenas um privilégio de poucos atores da sociedade devido ao seu alto custo operacional.

A tolerância urbana é a nova ferramenta de prevenção capaz de tornar viável a convivência democrática no mesmo espaço territorial e valorizar a realidade local. Adotando políticas sociais, socioeducativas e profissionalizantes, somando a recuperação do espaço urbano e o investimento em capacitação de policiais, realizam-se medidas importantes para o novo modelo de prevenção, sendo de papel fundamental a programação e a realização dessas ações empreendida pelo município.

Quando há a compreensão de que violência e crime são fenômenos que derivam de um contexto local e não global, surge a necessidade de proximidade dos gestores de políticas públicas de segurança do problema e uma maior capacitação para atuar na discussão e equalização dos problemas sociais através do resgate a participação da sociedade civil como um todo na discussão dos problemas sociais.

A criação de secretarias de segurança públicas municipais em grande parte dos municípios do Estado surgem como oportunidade de abertura de um canal direto de conexão entre governantes e sociedades com maior efetividade, viabilizando e implementando, através de novas práticas microssociais de equalização de conflitos que, quando não enfrentados, colaboram com o aumento de sensação de insegurança e anomia social.

Somando com as políticas sociais, as políticas públicas de segurança, quando elaboradas com parcerias municipais de prefeituras e demais atores da sociedade civil, têm investido em mecanismo de redução das oportunidades para o delito com a referência principal de prevenção ao invés da punição. Os programas de redução de consumo de drogas e álcool, com pauta na redução de danos e adesão voluntária, trouxeram resultados de imensa efetividade na redução de violência doméstica e interpessoal.

As soluções mais drásticas são definidas de forma provisória e experimental, como no caso de Diadema, em que se tornou obrigatório o fechamento de bares a partir das 23 horas com o intuito de impedir a comercialização de drogas e bebidas, ou no caso das câmeras de vigilância em determinadas áreas com maior circulação de pessoas, uma vez que se possa contestar os efeitos dessas medidas para a desconstituição dos mecanismos de agenciamento da violência com a combinação da democracia representativa e participativa, com a mediação e fiscalização participativa da cidadania.

Esta lógica política contribui para a construção de uma esfera pública de cunho não estatal, na qual o Estado possui um papel fundamental na articulação e coordenação de políticas públicas em segurança. Com a democracia deliberativa, apresenta-se um sistema político que possui o papel de estimular o envolvimento e participação dos atores da sociedade civil de maneira a se assemelhar aos políticos ativos, construtores de consensos, que por meio de diálogos interagem em prol da elaboração e controle social das políticas públicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS NETO, Theodomiro. Segurança Urbana: O modelo na nova prevenção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais : Fundação Getulio Vargas, 2005. p. 45 a 47.

Kahn, T. & Zanetic, A. (s. d.). O Papel dos Municípios na Segurança Pública. Concursos Nacionais de Pesquisas Aplicadas em Justiça Criminal e Segurança Pública. Brasilia: Ministério da Justiça do Brasil. Recuperado em abril de 2006 disponível em: https://dspace.mj.gov.br/handle/1/2236.

Lemgruber, Julita. Drugs, arms, poverty and governability: A Brazilian city in the 21rst century, fevereiro de 2003, disponível em: www.unodc.org

 

AUTOR: Leandro Calado Ferreira, Desenvolvedor

Desenvolvedor Full Stack, Especialista em Gestão Pública e Economia Urbana, bacharel em Relações Internacionais e Direito.

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